sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Sobre a nossa música.

MC Roger, um dos principais impulsionadores da nova geração de músicos.
No tema Moçambique marrabenta, apresenta-nos a fusão da marrabenta e o HipHop. Veja aqui.

Sempre existiu música digna de ser gravada.
Sempre houve bandas que tocavam tão bem como todas as outras que vem de fora.
No entanto, existiu em tempos um certo preconceito em relação a música moçambicana.
Nós moçambicanos fomos os primeiros a preferir a música que vinha de fora em deterimento da nossa. Mas isso explica-se.

No período pré-independência politica, existiam varias frentes musicais, a musica da elíte orquestrada e consumida pelos portugueses e assimilados.


Existia a musica de bairro tocada e consumida pelo povo dos arredores e alguns assimilados (embora as escondidas) e a musica tradicional que era marginalizada pelas duas classes, mas amplamente ramificadas na cultura dos povos campezinos.

É claro que para os estudios de gravaço somente entravam os conjuntos da elite (brancos e alguns assimilados), relegando a musica de bairro, aquilo que hoje chamamos de música popular para se desenrrascar, enquanto que os campezinos? Nem pensar!

Em 1975 veio a independência, a elite desapareceu deixando ficar para trás um vacuum cultural que foi (tentaram) preencher pelos artistas populares que pereciam de todas e mais alguma efermidade de logística. A politica do novo governo incentivou o fluxo migratório do campo para a cidade de pedra para se usufruir dos “direitos conquistados da revolução”…

Neste processo, a música popular que tinha toda a fragilidade da época, fundiu-se com os ritmos tradicionais trazidos pelos campezinos, sem que houvesse uma padronização ou sistematização. Foi um fenómeno típico do ambiente politico-social que se vivia na época. A música sofreu uma revolução negativa, perdendo parte da sua identidade e com ela também alguma qualidade.

Muitos músicos fizeram-se ao palco e aos estúdios da RM radio moçambique (estatal) que apesar da qualidade não dignificar, sempre houve plateia. O povo não estava musicalmente educado (já se chamava de música ligeira).

Dos músicos que já andavam a fazer música dos bairros (de onde originou a marrabenta) alguns conseguiram se destacar e vendiam shows com maior frequência como o caso do Wazimbo, João Wate, Fany Mfumo, Ghorowane e outros.

Ao mesmo tempo que se desenrrolava esta revolução, o mercado se abastava de hits importados das editoras como a Motown (Michael Jackson, Lionel Richie, Donna Summer…) da europa vinha os ABBA, do Brasil chovia Roberto e Erasmo Carlos, Arginaldo Silva, Trio Esperanca, etc, enquanto que da vizinha Àfrica do Sul chegavam Miriam Makeba, Black Mambazo, Steve Kekana, etc.

Escute aqui mais alguns temas originarios dos bairros.
Conjunto Joao Domingos – Mawaku
Conjunto Joao Domingos – Elisa Gomara Saia (Medley)” Este tema é um dos clássicos da marrabenta.
Fany Mfumo – Gorogina wa ka Mamba
Fany Mfumo – Famba na Hombe
Orquetra Djambo – Elisa Gomara Saia
Orquetra Djambo – Laurinda
Grupo Bayette – Georgina (Remix)

Neste desenrolar de eventos, o tempo passou e a nossa geração de moçambicanos consciencializou-se do património que herdou, aliado a anos de edução musical absorvida dos quadrantes deste globo; hoje produzimos músicos que exportam mensagens de paz e amor pelo mundo todo, orquestrando as mais belas melodías, como o caso de Stewart Sukuma, Neyma, Wazimbo, Eyuphuro, Jimmy Dludlu, Gito Baloi, André Cabaço, MC Roger, Moreira Chonguiça (SAMA AWARDS), Lizha James (duas vezes vencedora do Prémio Melhor Vídeo 2007/8 do Channel O) e Dama do Bling (Prémio Melhor Revelação 2007 do Channel O), Kapa Dech (Prémio Crossroads 2006), Timbila Muzimba (Prémio Crossroads), Roberto Isaías (Prémio Ngoma) de entre outros.

Hoje o ambiente cultural que vivemos, foi propício a embrionamento de mais um ritmo nacional. Da fusão marrabenta que representa a nosso identidade musical ao HipHop Americano, mexemos o corpo dancando ao ritmo do Pandza. É um ritmo dançante que contagia a qualquer um.

Neste video do Dj Ardiles ft 3H, confira o Pandza. Calibre 39.

Informacao sobre marrabenta.
Informacao sobre a musica de mocambique.
Hugh Tracey, Pesquisador de musica africana.

Provações e penitências de um povo.



O meu povo já sofreu muitas provações e penitências e sempre foi muitíssimo bem sucedido.
Desde os primórdios do tempo cronometrado, sempre fomos um povo maningue nice.
Vieram os navegadores árabes com suas missangas, panos e bugigangas em troca do ouro, cobre, marfim e demais… Com muito gosto e até honra nós fizemos as trocas.


Vasco da Gama também ancorou em nossa casa; nós sorrindo e cantando boas vindas abrimos as portas. O camarada ficou tão satisfeito que apelidou a minha casa de terra da boa gente depois de ter enchido os porões de mantimentos e sei la que mais.

Na convenção da partilha de África coube-nos o destino de sermos uma fatia do bolo português. Imagino como seria se o raio da fatia tivesse caido no prato alemão ou inglês. Imagino mesmo.
O ouro de que todo o mundo anda atrás existe na minha terra. Mas não tanto como na terra dos Zulus. E é lá que o meu povo anda desde me recordo por gente. Como topeiras, embrenhando-se pelo ventre da terra cavando trincheiras e túneis procurando a pedra amarela. Gerações e gerações de gente minha enchendo o bolço e o ego do patrão estrangeiro em troca de um mísero salário e saúde.

Nas plantações, mulheres e crianças labutam de sol a sol plantando e colhendo para entulhar a despensa das madames em troca da entoxicação das pesticidas e o mesmo maldito mísero sálario.

Sofremos em solo próprio o efeito da extenção do braço manipulador e racista de um estado minoritário que com muita eficiência criou desestabilização na região.
Juntos choramos a prisão e a liberdade de Mandela.
Mano a mano, palmo a palmo, suor a suor, ombro a ombro contruimos a terra que vai juntar África na festa da bola em 2010.

Mas… Os acontecimentos recentes me puseram com um nó no coração.
Até aquele dia fatídico, não sabia que havia divisionismo entre nós. Em nome da xenofobía, meu povo foi caçado como animal, violentado, desalojado, despojado de seus ricos poucos haveres; pior que um animal, foi queimado vivo.

Pagamos pelo pecado de ser Moçambicanos na terra dos outros.
Ponham os panos quentes em cima, da côr que quiserem, o mal esta feito, o coração sagra de dôr.
De irmão para irmão, como fomos baixar assim tanto?

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O povo amarelo


por Celso Amade
celsoamade@hotmail.com

Chinoca para aqui, chinoca para ali. Até tinha a sua graça. Foi assim que eu cresci. Falávamos dos chinas como um povo muito distante de outro mundo.

Em Moçambique também tem chinocas que já lá estão há muitas décadas; são chinocas de muitas geraçëes, que já são nacionais no seu pleno direito, como eu.
Chegou o seculo XXI e tudo mudou.


Andavam todos com o medo do fim do mundo assim que chegasse o ano 2000. Nada aconteceu para além de abarrotarem as igrejas. O padre adorou ver seu rebanho completo de mala e cunha, fosse a eventualidade do Senhor chamar já, já.

Bill Gates e a Microsoft também participaram na entrada do milênio em estilo próprio. “Há que precaver do síndrome de Y2K. Rios de dinheiro foram gastos actualizando o relógio do computador, caso contrário não estaríamos compatíveis com o novo milênio.
Já não é o exercito vermelho que saiu em força, mas sim o povo amarelo que emigrou em força retornando a proveniência. África, o berço da humanidade.

Característico dos manda chuvas chineses, as suas medidas são sempre drásticas. Um quinto da população mundial e chinesa vivendo na China, os chinocas emigrados antes não contam, já estão contabilizados nos sensos populacionais de cada pais acolhedor.

Medida drástica; a casa de Ho Chi Min estava rebentando pelas costuras, já não cabia lá mais ninguém, então decretou-se a lei de filho único para cada casal (se isso não resultasse talvez mandariam os lutadores sumos emagrecerem para poder caber la).

Nos cá continuamos a fazer sete, oito filhos para inveja dos manos chinos.

Primeiros chinocas em Maputo datam de 1975
Medida drástica; já não somos socialistas comunistas, agora somos capitalistas. Os maninhos chinocas já não procuram pelo vermelho, agora procuram o verde do dólar.

Medida drástica; onde até bem pouco tempo aterrorizava-me a idéia da grande muralha que mantinha o estrangeiro do lado de fora e também os chinos do lado de dentro,
Admirou-me ver os jogos olímpicos. Multidões de estrangeiros do outro lado do muro.

Na minha terra, o chinocas estão se tornando nacionais outra vez. Constróem obras de engenharia, enchem o mercado de bugigangas de segunda categoria, vendem roupa e calçado ao preço de água (água não, que tá se tornando cara, talvez dizer preço do ar, já que esta poluído mesmo), E eu choro com isso.

Problema drástico; as nossas fábricas de calçado faliram, as fábricas de vestuário faliram, os empreiteiros locais faliram… o povo está desempregado, com salários em atraso para receber e contas por pagar.

Afinal de contas quem paga quem? Os maninhos chinocas (baixinhos como são até fica mal dizer mano-velho). O governo faz vistas grossas ou não se percebeu da espada de dois cumes que os chinos ofereceram? Serão propinas?
Onde vai parar a revolução amarela?
Mais não disse, mas estou preocupado.

O mendigo

Mendigo numa esquina de Johannesburg na Africa do Sul

por Celso Amade
celsoamade@opatifundio.com
Em Johannesburgo , na África do Sul, assim como em muitas grandes cidades do mundo, existe umacondição social a qual chamamos de mendigo.
Sendo africano e estando em África, e normal ver-se mendigos andando nas ruas, parados nos entroncamentos e até batendo nas portas da gente para pedir um pedaço de pão.

Em 1995, veio o fim do sistema segregativo racial “Apartheid”, onde, como resultado, o mundo viu eleger o primeiro presidente negro na África do Sul independente.

Com isso, vieram muitas mudanças politico-sociais que arrastaram consigo reformas económicas.

Na nova república, como que se de marte tivesse acabado de chegar, deparo-me com gente de todas as idades nos semáforos, entrocamentos, carregando places e gritando por Socorro, “NAO TENHO COMIDA NEM ROUPA, TENHO 4 FILHOS PARA CRIAR. QUE DEUS O ABENCOE. OBRIGADO”. As placas diferem uma da outra, mas o contexto é semelhante.

Aquele cenário desconcertante me chocava sempre que tivesse que cruzar a avenida, não pela cor da pele do pedinte, mas pela ironia da vida.

Antes do término do Apartheid, a situação era inversa, com a agravante de que somente a minoria branca era contemplada pelo governo - tinham todos os direitos sociais como o subsidio de desemprego, habitação, preferência nos postes de trabalho, direitos de uso de casas comerciais etc.

Hoje, a realidade é bem diferente, a igualidade de direitos entre as diferentes etnias que compõem a Africa do Sul, criou uma plataforma onde vinga quem estiver melhor preparado para coexistir num estado de direito.

Moçambique fashion mania


Tradicionalmente usamos muito pano para nos vestirmos. É a nossa tradição. As mamanas cobrem-se com belas capulanas, generosamente coloridas com flores de nome que só se conhece no dialeto nativo. Já que moda é moda, quando chegam as eleições, cobrem-se de capulanas com a fucinheira de um dirigente qualquer à caça do voto.

Vem a televisão e as revistas. As modas são importadas, não importa como.

De entre vários modelitos de “boutique” salientaram-se alguns dignos de referência. As saias “matarlatanta.” é um deles. Não conheço a proveniência do nome, não ficou-me na memória. Para quem não consegue pronunciar o nome ou acha ele menos elegante, pode-se dizer “mil-saias”, porque usa-se maningue pano pra caramba. Tinham uma infinidade de folhos como se tivesse vestido as tais “mil-saias”.

Eram bem decentes, a minha avó gostava de ver as meninas de matarlatanta.
Como tudo que é bom acaba cedo, as saias passaram a ser saiotas. Continuavam com a infinidade de folhos mas ficaram mais arejáveis, bem curtas.

Não me perguntem sobre a sua origem, verdade é que as mocinhas começaram a andar de colants ou colantes (a terminologia hoje não vem ao acaso). De todas as cores e rendadas, usavam aquilo bem justo como se de luvas para pernas se travasse com uma camisete por cima. Tavam no pico da moda prontas para o baile. Os rapagões adoravam, ficava tudo mais bem distinguido. Mas não durou muito não, havia muito homem bem sensível nas ruas para permitir tamanha “imoralidade”.

Não muito tempo atrás, as novelas brasileiras trouxeram-nos as “txuna-babys”. Lindas peças de pano. São calças de jeans de variados feitios, boca de sino, funil… com a porcaria da cintura pela virilha. Chato para quem não tivesse tido o cuidado de passar uma lâmina antes, ficamos expostos ao crime de atentado ao pudor. O umbigo e a cintura das txuna-babys polpou o designer de um bom pedaço de pano. Para mim o efeito é o mesmo que as colants, mas vivemos em tempos modernos, não?

As capulanas foram relegadas para as madalas.
Que se lixe a cultura, nós queremos é txunar. E a moda continua!

Taxi Colectivo

Táxi colectivo de Maputo, capital do Moçambique

Aquele espírito de desenrascar com os 16 anos de Guerra civil a que fomos impostos, foi imperativo que Moçambicanos se desdobrassem como se aranhas fossem para se fazerem transportar. Havia os TPU (transportes públicos urbanos), que se tornaram TPM (transportes públicos de Maputo). Os porquês disso não sei dizer, ainda era mufana demais para perceber estas manobras.

Um em cada dois foram ficando arquivados…O transporte coletivo que não chegava, agora minguava.

Não sei de quem foi a ideia ou se faturou, mas aquilo era coisa de primeiro mundo mesmo: Radio Táxi. O povo ligava para a central e um táxi de marca Lada, de cor amarela, buzinava lá fora à porta. As mamanas andavam em grande estilo. Aquilo era chique de doer, pena que foi sol de pouca dura.

O povo tomou iniciativa, as carrinhas Mitsubishi Canter, Peugeot, Toyota Hilux já não carregavam só mercadoria. O negócio melhorou, passaram a levar trabalhadores atrasados. Pelo menos já se chegava a algum lado, apesar do estado descarteirado, despenteado e catingado a que se sujeitava. Mas isso não era problema de mais… Afinal chegava-se.

Os acidentes multiplicavam-se maningue e as mortes desproporcionavam. O governo abriu um dos olhos, já não me recordo se o direito ou esquerdo, mas abriu e interviu. “Agora tem de se criar mecanismo de segurança para os passageiros!” - Disse. E o olho fechou novamente. Acho que é automático.

O povo gradeou a carroçaria e cobriu com lona. Já ninguém se molhava a chuva.As mamanas continuavam a carregar as galinhas e cabritos quando não fosse a colheita da machamba, sempre rota adentro.

Alguem viu oportunidade de negócio, talvez fosse monhé ou ministro. Sabem como é, os gajos tem faro pro negócio.Importaram forgunetas de marca Iveco sem janelas mas com bancos. Não dava pa reclamar muito, afinal o povo já chegava em relativo conforto no táxi amarelo. As ruas encheram-se de táxis amarelos. Alguém faturou maningue taco, mas não lhe disseram que poderia faturar ainda mais com reposição de peças. Tudo mingou como os TPM.

O modelo dos madjonidjonis funcionou aqui também. O povo mudou de meios, andava nos Toyota Hiaces de 16 lugares. Sei-o porque estava lá escrito, LOT.16 Lugares, embora possam imaginar a lotação; sem querer especular, acho que o cobrador não sabia contar, pois era frequente os passageiro ficarem de tal maneira apertados que metade do corpo sobrava pelas janelas. Esqueci-me de mencionar que o progresso trouxe janelas? Pois trouxe.

O povo continuava a chegar quando chegava. Aquela cultura de reposição de peças prevalecia.A situação estava igual a tudo nessa época. Os pneus rodavam mais carecas que o bolso do povo, as portas amarravam-se com pedaços de arame. Mas a situação não andava somente na pior, houve também progressos, continuava-se a levar as galinhas e os patos mas já não se levava cabritos.

Há um ditado que diz - “Lixo de uns, riqueza de outros”. Bendita evolução dos japoneses. A lei deles não permite que um veículo permaneça mas de 5 anos na estrada (acho que é isso); solução: exportar para africa. Com certeza os africanos saberão dar destino. E assim começaram a chover veículos de todo o tipo, standes de vendas de carros usados. Tudo made-in-japan. Verdade seja dita, dão um jeito daqueles, que África esta repleta.

Criou-se indústria, até assistência técnica veio do Japão. A roda esta rodar.
Hoje TPM acordou, já importou manchibombos de 64 lugares da China. Vão ser movidos a gaz de Pande, ouvi dizer. Mas já estão rosando as acácias nas avenidas.

Tudo nesta terra è relativo. Depende de que lado se está: do tripulante ou do passageiro. Vamos acompanhando o desenvolvimento dos táxis coletivos. As marcas e modelos mudaram com o tempo. No início pagava-se 100 paus, a gasolina mudou de preço, a moeda nacional mudou de cara. E é claro que o preço também mudou, hoje a tarifa custa cerca de 7 vezes mais, só o nome não mudou.
O táxi colectivo do povo continua a chamar-se chapa 100.
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Breves do português moçambicano:

MUFANA - Rapaz, menino
MAMANA - Mulher, Senhora
MANINGUE - Muito
MACHAMBA - Terra de Cultivo, Horta, Plantação
TACO - Dinheiro
GAJO - Fulano, Individuo
MADJONIDJONI - Proveniente da Africa do Sul
MACHIMBOMBO - Autocarro
PANDE - Jazigo de gaz Natural
PAUS - Dinheiro

Marrabenta


Marrabenta.
Já muito se falou sobre a marrabenta, mas não basta. Cada pais tem uma identidade cultural que é exibida além fronteiras. Nós temos a marrabenta
para ler ouvindo Hortêncio Langa - Majojo


Fanny Mfumo: conhecido como o rei da marrabenta
Só quem conhece realmente sabe do prazer e alegria que nos o espírito quando começam os primeiros acordes de uma marrabenta.

É característico aquele som da guitarra em mãos hábeis de dedos castigando as cordas. Foram vários os mestres da marrabenta, de entre eles, Fany Mfumo, Dilon Djindji, Xidiminguana (diminutivo de Domingos), João Domingos, etc… cada um tocando, cantando e encantando do seu jeito.

Dizem os mais sabidos que o nome marrabenta deriva do acto continuo de rebentar as cordas ao tocar que na época devido ao não existente poder financeiro, eram “desenrascadas com fio de nylon e arame. As guitarras eram fabricadas de lata e pedaços de madeira.

Mas não se deixe enganar pelo fabrico delas não, elas tocavam até que “marrabentavam” as cordas… Normalmente a marrabenta e dançada aos pares, podendo também dançar ímpar. As suas cantigas retratam o cotidiano social.A marrabenta tem um ritmo quente e acelerado, influenciado pelo “kwela” da África do Sul, pelo Swing e outros ritmos nativos da região.

É dito pelos mais sabidos que a “Maxixe” do Brasil teve a sua origem na marrabenta de Moçambique, no seu ritmo e espírito. Dai derivado o nome de Maxixe, que é uma localidade ao sul de Moçambique. Nos anos 80, após a independência de Moçambique (pelos vistos também cultural) a marrabenta ganhou outra dinâmica, surgindo mais executadores e também promotores que levaram a música pelos quadrantes deste globo.

Foram muitos os conjuntos ou artistas que dignificaram-nos pais a fora, tais como os Ghorwane, (www.ghorwane.com), Orquestra Marrabenta Star, que englobava vozes como Wazimbo, Mingas e Stewart Sukuma (www.myspace.com/stewartsukuma.com). Nos dias de hoje existem outros músicos que compõem a nova geração e continuam a imortalizar a marrabenta. São eles Neyma, Lizha James , dentre outros. Hoje, a marrabenta é dançada e cantada do Rovuma ao Maputo (norte ao sul), quebrou barreiras lingüísticas, culturais, tribais, regionais. Tornou-se abrangente, nacional.

O Sapo de mãos dadas

O camarada volta ao sofá.
Madame dá um jeito na louça e junta-se ao sofá.
Aí que a porca torce o rabo

por Celso Amade
celsoamade@opatifundio.com

Noticiário versus novela nos lares moçambicanos; eis a questão
Em muitos lares normais ou aparentemente normais como o seu, depois das 19 horas tem sempre um dilema conjugal dependendo do gênio dos integrantes…

O povo sabe como são essas coisas…

O camarada chega à casa do trabalho todo estafado, deixa-se cair no sofá, estica e cruza as pernas enquanto lê o jornal. A dona de casa já lá esta guiando o fogão, impregnando a casa com cheiro da janta. As deliciosidades são desmeigamente devoradas.

O camarada volta ao sofá. Madame dá um jeito na louça e junta-se ao sofá. Aí que a porca torce o rabo:

- Amor, põe a novela sim?
- hey pa! Estou vendo o noticiário né?
- Mas benzinho, agora ta passar aquela parte em que a mocinha beija o sapo e ele vira príncipe…
- Porra pa! Enquanto estiveres a ver o raio do bicho, pode estar a dar um golpe de estado la fora!!

E pega no remoto trocando de lugar para bem distante da esposa. Olhando-a com raiva fazendo ver que nesta capoeira só tem um galo.

Mas inteligente como todas as mulheres, melhor apelar para outra fome.

- Fofão, eu não te incomodo, deixo-te ver o noticiário como tu queres… mas… Mais logo, é bem possível que eu tenha dor de cabeça, ou esteja cansada, talvez até mesmo com muito sono.
O gajo abriu os olhos e encarou-a tentando verbalizar algum insulto, mas burro que não era, calou-se.
Nessa noite, de mãos dadas, o camarada assistiu a mocinha beijar o sapo que por sua vez se transformou em mocinho.
- Afinal de contas o golpe de estado não será aqui em casa né?

Quando o povo ganhou televisão



Onde não houvesse televisão, também não havia família completa; alguém estava sempre em falta, fazendo multidão em casa de outrem na companhia do prefeito que tinha medo de morrer ou do Dirceu Borboleta, Lá para os anos oitenta e tal, as noites tornaram-se mais interessantes em Maputo. TVE (televisão Experimental de Moçambique) presenteou-nos com a telenovela “O Bem Amado” de Jorge Amado. As dinâmicas das famílias mudaram completamente.

Os chefes de família, através do rádio Xirico (nem imaginam o lugar que este aparelho ocupava em muitos lares), acompanhavam o noticiário e a parada de sucessos musical em volume alto com a maior tranqüilidade. Era normal, mas o telejornal com Orlando Anselmo, Gloria Muianga e companhia era outra historia. Os gajos falavam bem pa caramba, sabiam preparar-nos para as peripécias do cangaceiro Zeca Diabo.

Naquela altura, televisão servia para assistir aos filmes de Clint Eastwood em cassetes betamax. Quem não tinha um aparelho de televisão tava tramado, com esta boa nova, tinha que imigrar para casa do vizinho ou parente, mesmo que distante. A entrada em casa alheia estava condicionada a chegar cedo, depois do jantar do anfitrião (olha que estes não se faziam rogados em desmontar cabeças de peixe ao jantar sentados no sofá) e antes do telejornal.

Pouco antes do termino do jornal, quem tivesse telefone (refiro-me ao aparelho fixo, daqueles iguais a todos os outros fornecidos pela empresa provedora do serviço telefônico, pois os celulares ainda estavam no esboço de algum gênio) com aquele tom de dono-da-casa-que -esta-abarrotada, mandava o mais novo por o telefone fora do gancho. “Estas não são horas de ser importunado!” Justificavam-se.

O facto de receber “visita” em casa, dava ao detentor do aparelho (o aparelho nem precisava ter remoto) um quê de estatuto… Onde não houvesse televisão, também não havia família completa; alguém estava sempre em falta, fazendo multidão em casa de outrem na companhia do prefeito que tinha medo de morrer ou do Dirceu Borboleta. Era normal na época.

A grande procura de aparelhos de televisão impulsionou a indústria local. Começaram a ser “fabricados” localmente com “tecnologia” nacional e acessórios Alemães. O povo comprava Inca! A jóia da evolução empreendedora nacional. Ao contrário dos aparelhos provenientes da África do sul, Portugal e sabes-se lá de onde mais, nos aparelhos Inca não era necessário chamar o técnico para instalar o conversor de som. Nos Inca made-in-moçambique, era só ligar a ficha para continuar a ver as novelas sucessivas. _________________________________________________________

Para entender melhor:

RADIO XIRICO - Antigo radio made-in-moçambique
ORLANDO ANSELMO - Apresentador de televisão
GLORIA MUIANGA - Apresentadora de televisão
CANGACEIRO - Bandido, fora da lei
ZECA DIABO - Personagem da novela
BETAMAX - Antigo formato de cassete vídeo
DIRCEU BORBOLETA - Personagem da novela
INCA - Marca de antigo televisor made-in-moçambique

Sexta-feira, dia do homem


Este facto é consumado; já não requer negociatas, nem invenção de desculpas esfarrapadas. José José quando sai do trabalho as 17 horas, sente-se um tanto quanto estranho de se sentir possuidor de tamanha preciosidade… Liberdade! “carta de Alvará!” A famosa licença para desbundar.

Ora bolas! estou aqui a falar de um tema tão rico e intrigante usando pseudônimos; José José; onde já se viu coisa assim?

Este e um sentimento legítimo na primeira pessoa, embora não tenho tido este privilégio faz já muito tempo [matéria para outras fábulas], ainda posso contar o que milhões de homens de H maiúsculo já sabem. Uns vivem a novela toda a sexta-feira, outros fingem conseguir materializar o sonho de todos alfa-machos.

Na quinta-feira à noite, enquanto faço a revisão mental das atividades do dia seguinte no escritório, deparo com a minha mente frívola de ansiedade percorrendo os planos pormenorizados da função pós 17 horas. Nem me lembro de ter revisto a reunião das 14 horas com a diretoría. Nada. Só 17 horas. Percorreu pelo meu corpo um sentimento forte, indescritível; senti um calor e sorri…

Amanhã é dia do galo. Bendito camarada que idealizou o dia do homem. O dia passa lento. Passo de camaleão coxo, mas acaba chegando às 17 horas. Quando eram ainda 16 horas, comecei a preparar-me, fui aos lavabos me refrescar, pentear, re-pentear, ajustar a calça, re-ajustar a coeca, limpar os sapatos, enfim, a lista do ritual de asseio torna-se infinita às sextas.

Para ter certeza de que não seria importunado no “meu dia” ligo para casa para jogar conversa fora, e como quem não quer nada, fazer-la saber de que a pilha do meu móvel não esta lá muito abastada de carga. Logo após, desligo o aparelho.Afinal hoje é sexta-feira, dia do homem, tá tudo liberado, é geral (como quem diz).

Para começar a gozar do “meu dia,” que afinal de contas já é noite, vou me encontrar com a malta no “pub” da baixa. Tomar umas e outras, por a fofoca em dia (afinal macho também tem “updates” para fazer, sobre as fesquinhas), mais logo quando já estiver no ponto, talvez uma volta para casa 2. Programa perfeito.Desço a avenida com um sorriso maroto, já a pensar nos desfrutes da carne.

Chegado ao bar, não esta la ninguém da malta. Talvez ainda seja sedo. Calmamente, sorvo uma taça e outra atrás da última. Não aparece João Paulo nem Paulo João. Ninguém. Espera ai; afinal eu tenho um celular nê? Poderia ligar para alguém. Mas seria arriscado demais, a minha primeira-dama poderia acesa-me nessa janela. Ainda me estraga o dia/noite.

Já que os gajos não dão as caras, talvez ganhe mais se for para casa 2. Lá as coisas com certeza são menos frustrantes. Acabo a taça depois da última e peço a “saideira”.

Saio em direcção ao carro sentindo-me um tanto quanto confuso, afinal de contas onde fica a casa 2? Ela é o produto da minha psicose, tentando criar uma extensão do meu quarto fora das obrigações domésticas. Um ninho de mel com voluptuosas companhias. Afinal não cheguei a arranjar uma…

Com um misto de aprovação e desanimo, meto a mão no bolso:
- Alô? Olá amorzinho. Vou passar pelo supermercado, queres que te traga algo daqui?
Pensando bem, porque sou homem, e tenho licença para desbundar, ainda que ainda não esteja assinada pela senhora. Melhor mesmo é ir para casa.
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Do português do moçambicano, temos:
Casa 2 – na cultura moçambicana, é o mesmo que casa da amante
Fesquinhas – é mesmo que cerveja gelada