sexta-feira, 22 de maio de 2009

Meu povo, nossas Crianças


Ser mufana em Moçambique… Não há como descrever esta fase do ser humano baseando-se em particular na criança Moçambicana; falar dos mufanas do meu pais e falar dos mufanas de África
No geral dizemos que não há diferença, mas aprofundando encontramos algumas particularidades que muitos outros mufanas não tiveram a infelicidade de experimentar. Creio que vem com o território né?

Eu nasci numa época em que ser mufana era diferente de hoje.Cresci numa época ainda mais diferente, que creio que foi doce, apesar das privações a que o meu povo passou. (Um dia ainda vos conto…)

“No meu tempo” ser mufana em Moçambique era saber que existia fartura de nada, as lojas andavam cheias de “alguma coisa”, o cardápio não variava nas mesas, oscilava entre o pouco e o nada. E a gente foi crescendo mesmo assim. Este era o cenário em grande parte dos lares “do meu tempo”.

O 1°. de Junho é o dia Internacional da Criança. As entidades juntavam-se onde pudessem para acarinhar, instruir e …. mas isso já passou; o nosso socialismo já passou a historia, apesar de ainda haver corações dedicados aos mufanas do meu pais, como o exemplo do projecto Aldeia de Chipanca.Os mufanas do Xilunguíne viviam uma realidade madrasta, protegidos da impiedade dos males cometidos em nome da guerra.

Dos mufanas que se atreveram a aventurar para o xilunguíne, quem não teve muita sorte, teve de lutar por uma vaga nas rua da baixa, ficando a mercê de pedófilos, ilubriádos ao trabalho infantil não renumerado, e os mufanas que não tiveram a sorte de seguir seus pais na enxurrada emigrada em busca de um pouco de sobrevivência nos xilunguínes, testemunharam o como não deve crescer um mufana do meu pais. Privadas de direito de ser mirone com brincadeiras traquinas foram vitimas da guerra, desvoluntariamente patenteadas de menino-soldado carregando armas do seu tamanho, obrigadas a cometer atrocidades que ate o diabo duvida.

Ser africano também para além de ser um orgulho, é também sofrer na carne o efeito das crenças e superstições do meu povo. Não é exclusividade dos outros povos o mito da mutilação de partes genitais enquanto vivo para efeitos obscurantistas, onde se acredita que quanto maior for a dor do “doador” maior será a potência do remédio/feitiço… Cegados pela sede do poder, os mufanas de outrem são caçadas e mutiladas em nome de uma crença indiscrítivel.

Neste mundo globalizado onde os tentáculos do crime organizado se extendem-se até ao domicílio do meu povo, os mufanas também não escapam à cobiça dos seus pequenos orgãos. Se não for para o “muti” é para o leilão de quem paga mais pelo coração de um mufana africano que partiu, deixando os seus com os corações partidos.

Meu Deus, dai-nos forças! Ser Africano é maningue nice, mas também tem o outro lado… feio!Num continente onde careçemos e padeçemos de quase tudo, o sol brilha alto e forte enquanto cá mais abaixo, juntinho a realidade do chão, milhares de mufanas morrem de condenações ilimitadas. Se não for uma bala de AK47 perdida no mato, talvez seja o homem do tráfico, ou talvez de malária, HIV-SIDA, Sabe-se lá… As flores que nunca murcham nem sempre estão belas e perfumadas.

Como toda boa moeda, os mufanas do meu país também tem uma face que clama por ajuda e amor que não lhes foi negado… Novos tempos, novos horizontes onde o sol continua brilhando alto iluminado e florindo corações.

Quem pode faz o seu bocado para devolver o perfume a estas flores que nunca murcham; são insuficientes mas incontáveis os centros de acolhimentos aos orfãos das enfermidades do mundo, as dos cofres que embora fazendo eco de desrecheio, não se fazem tímidos aos pedidos por uma mão amiga.

São projectos como o “Aldeia de Chipaca” e outros mais que garantem aos mufanas do meu pais segurança de sonhar com um amanhã mais florido.

GLOSSÁRIO:Mufana – Menino, Criança, Mirone
Xilunguíne – Cidade de Cimento, Onde Habita o Branco
As Flores que Nunca Murcham – Nome atribuído por Samora Machel a organização “Continuadores da Revolução”

sábado, 2 de maio de 2009

Plantar gasolina e morrer a fome



Para desenvolver, é inevitável a Moçambique explorar os recursos naturais. Mas se o lucro fica em mãos erradas, de que jeito seremos ’sustentáveis’?
Com a evolução das sociedades de consumo, crescem também as necessidades de ampliação dos rendimentos agrícolas e outras fontes de alimentação…

O povo continua a milenar tradição das queimadas dos solos para desbravamento das florestas para o cultivo. Com esta atitude, a fauna local fica comprometida, que por sua vez também afecta o homem.

Nestas andanças das queimadas, são destruídos em Moçambique cerca de 219 mil hectares de florestas ao ano, o que equivale a 405.500 campos de futebol.

Esta autodestruição não passou despercebida aos políticos, que já um adotaram o slogan para combate a efermidade; “Não às queimadas descontroladas, reduza a pobreza”. Se para além do slogan existe alguma campanha não sei dizer, mas o slogan já esta fazendo manchetes nos jornais.
Os animais e o Homem lutam pelo mesmo pedaço de chão, sendo o animal dizimado.

As florestas são mutiladas. Moçambique é um grande exportador de madeira preciosa para o mundo. Para o maior comprador de matéria prima do mundo, isso é muito bom.

Através de comerciantes menos escrupulosos, são pilhados em forma de exportação, milhares de torros de madeira com o consentimento e conivência das autoridades.

O governo tenta promover o turismo… Vai tentando… Que de certa forma consegue atrair mergulhadores que destróem os nossos ricos corais.

Vão construindo casas, hotéis e resorts nas praias sem obedecer as regras básicas de protecção costeira, hoje as praias vão se perdendo ao mar. A orla marítima, abandonada a sua sorte, vai se desmoronando como um castelo de cartas levado pela erosão. Belas praias acabam desaparecendo deste modo a olhos vistos. Todo o mundo lamenta mas nada se faz.

Grandes fábricas são montadas para criar empregos, gerar impostos… E também para agredir o meio ambiente com sua fumaça tóxica.

Quando o preço do barril de petróleo disparou como um foguete, o mundo começou a levar a sério a ideia de combustíveis alternativos. Moçambique também não ficou atrás. Vastos hectares de terra foram cedidos para a o projeto de biocombustíveis. A população planta “gasolina e morre a fome”. É certo que temos de diminuir a dependência da energia fóssil. Mas nós exportamos carvão mineral em Tete através do projeto da Vale; prospecções de petróleo se desenvolvem no norte do país. Mais poluição… necessária!?…

O país necessita de fontes de energía sustentável, precisa gerar divisas, precisa sobreviver. Mas nesta situação, como ser sustentável, agir de maneira saudável e sem agredir o ecossistema?

sábado, 25 de abril de 2009

Narcofashion do Brasil




Narcofashion é uma palavra que me ocorreu enquanto me lembrava de varios episódios de conterraneos meus que foram ilubriados pela maravilha que o Brasil tem para oferecer, cortesia da Rede Record e Globo. A realidade do lobo coberto com a pele do cordeiro… Já ouviu falar?

Já maningue tempo atrás, o povo recebe o Brasil em seus lares através das maravilhosas telenovelas. Assistimos aos episódios com atenção de quem gostaria de lá estar… Pessoalmente, eu prefiro o Carnaval.

As garotas vasculham as botiques (a oferta é enorme) em busca de modelitos semelhantes aos das atrizes, invadem os salões de cabeleireiro cozendo e colando (já ninguém quer só pentear) as extensões capilares… O Brasil virou moda.

De entre as mocinhas, que pode e até quem não pode, vão ao Brasil comprar roupa para revenda. Muitas embarcam já com encomenda e compra garantida. Como funciona a coisa por lá não sei dizer, mas que regressam com malas do tamanho do boing isso é quase real.

Com este andar ou voar, vao fornecendo as muitas botiques de grife brasileira, e ate as lojas ganham nomes de novelas.

O outro lado da moeda
É sabido que como muitos outros países, o Brasil trava uma luta desenfreada como o tráfico de droga.É sabido que Moçambique tem sido usado como corredor para o haxixe do Paquistão, Afeganistão e outros stãos…

É sabido que Moçambique virou um El Dourado para “refugiados” africanos e até europeus.Principalmente no Centro e Norte do país, há muita mocinha é-lhes oferecido o sonho de uma viagem a terra do Roberto Carlos para um semanita de shopping desenfreado com tudo pago. Até parece a lotaria.

Pobres coitadas, na maior inocência da oferta feita pelo “namorado”, “patrão” ou sei lá quem que-o-diabo-o-carregue-o-mais-rápido-possível, armadas de sorriso de orelha a orelha, finalmente voam para o grande Brasil.

Alguns dos esquemas das “mulas” já são conhecidos pelas autoridades, sendo que sempre que vem um voo proveniente de Brasil ou Portugal, são accionados os mecanismos para a prienção de possiveis transportadores.

São muitas as artimanhas usadas pelos mandantes que muitas das vezes são emigrantes Nigerianos, Marroquinos, Quenianos, Zimbabweanos e até os locais… Existem casos documentados de indivíduos que expeditaram suas “namoradas” deste modo para alimentar sua ambição desmedida em troca da liberdade alheia.

Mas nem todos os casos de jovens que viajam ao Brasil terminam em xadrez, muita moça alimenta um negócio lícito de venda de roupa sem incrementar a renda com estupefeciantes. Vão levando a vida no vai-vem, ao regresso, contando as muitas aventuras, alimentando sonhos de quem ainda não lá foi.

Do Brasil já não só herdamos a capoeira, a moda e a alegria, hoje já não è estranho ouvir-se dizer que fulana e ciclano deram dentro… Escuso-me a perguntar os porquês, cada vez que se me atiram com essa porcaria para dentro dos meus ouvidos. Só pode ser o efeito do narcofashion made-in-brasil.

VOCABULÁRIO
Narcofashion – palavra não “dicionarizada”, que provém da junção do narcótico e fashion, que são os maiores atraentes de jovens Moçambicanos ao Brasil.

Deram Dentro – Terminologia popular para dizer que tá lixado… Opps! Está preso.Mula – Pessoa que transporta a droga ingerindo pequenas bolas de camisinha contendo droga, ou escondida na bagagem.

terça-feira, 21 de abril de 2009

BP embaixo, Mabor em cima, você sabe o que é?


Quando o trabalho da policia não se faz sentir o suficiente nas periferias da cidade, o povo chama a si a responsabilidade de fazer “justice” pelas próprias mãos

Justiça alheia ao Estado termina com a dor quente da borracha em chamas
Todos os dias são reportados casos de crimes de furto a agressões e a policia com todo o despreparo e carência logística não consegue fazer face à epidemia. Chega uma altura em que o povo satura e rebenta…

Ladrão. Ladrão! – Alguém gritou. - Pega o gajo, vai a correr! Na calada da noite ou no auge do sol , era usual ouvir-se estes gritos que muitas das vezes vinha acompanhado de um outro chamado… Já tenho o pneu alguém traga a gasolina!

É o fenômeno do “BP em cima e Mabor em baixo”.

Cinlindra-se o individuo no meio do pneu e joga-se a gasolina por cima e ateia-se fogo. O sacrificado berra, esperneia e morre torrado no meio das labaredas do pneu, que se recusa a terminar de arder.

Na mente popular, a “justice” foi feita.
A policia chega quase sempre depois do consumado, sem chances nem condições de socorrer o tostado. Às vezes faz-se algumas prisões, mas muitas das vezes ninguém reivindica nem aponta autoria.

A igreja chora por clemência, parte do povo faz coro, os políticos fazem silêncio, não sabendo se usam o malfadado acontecimento para fazer campanha ou não, os intelectuais debatem o fenômeno, tentam chegar à raiz da equação… São inúmeros os resultados. Continuamos a debater, aguardar e tostando.

Às vezes o nível da malandragem baixa e o povo credencia ao sistema do “BP em Cima e Mabor em Baixo”. Embora a fórmula não tenha nenhuma autenticidade, parece intimidar uns e emprestar valentia a outros.

Quem pode reza pelas almas daqueles que não puderam escapar a fúria popular, que com certeza foram-se alguns inocentes também, e enquanto estiver com o espírito embrenhado de santidade, sem querer abusar dos santos, reza também para que a policia ganhe reforço logístico.

Glossário
BP – British Petroleum
Mabor – Marca de pneu made-in-moçambique
Cinlindra-se – o sujeito “cinlindra-se”, ou ganha forma cilíndrica, quando é colocado no meio do pneu.